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Bem-vindos! Este blog surgiu do meu gosto pela palavra, em especial pela palavra escrita. Desde novo, comecei a tomar gosto pela coisa e a escrever um textinho aqui, um poeminha ali, uma redação acolá. Com o passar do tempo, dei-me conta de que esses escritos se encontram dispersos em pedaços de papel, partes de cardenos etc - pois, com frequencia, a gente guarda memórias da nossa infância e adolescência, mesmo não sendo nada de grande valor literário. Ao crescer, não sei se a qualidade dos textos melhorou em nada, mas a vontade de escrever não me abandonou, ainda que se manifeste esporadicamente, e comecei, então, a questionar meu método de produção e armazenagem - papéis soltos por todos os cantos já não me pareciam a melhor maneira. Surgia, assim, a ideia de fazer um blog. Da ideia até sua execução, passaram-se anos, mas finalmente aconteceu. Para entender um pouco mais sobre a escolha do nome, ou sobre o blog em si, leia o post inaugural, clicando aqui. Por fim, muito embora não haja aqui organização quanto a temas, tipos ou formas textuais, preferi separar os textos em versos numa outra página a que chamei de "Líricos". Caso tenha interesse em visualizar esses textos, basta clicar aqui ou no link que se encontra à direita se sua tela. Boa leitura!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Enkare Nyirobi

É de manhã, está claro, mas o sol ainda não brilha porque as nuvens cobrem o céu da cidade. Um friozinho remanescente da noite ainda paira no ar. Abro a porta e, do quarto andar, sinto um cheiro forte de suor no ar. Desço e vejo, no primeiro andar, um apartamento com a porta aberta e nele duas camareiras que fazem a limpeza. Estão trabalhando duro e por isso suam, mas como é forte o cheiro! Faço uma saudação em inglês à qual elas, com um sorriso, respondem, mas, embora sorridentes, trazem uma tristeza no tom da voz. Em seguida, viram-se uma para outra e seguem sua conversa em idioma materno com o mesmo sorriso, agora, contudo, em tom jovial! O fenômeno me intriga, me é impossível não notar...

Entro no carro, o trabalho é o meu destino. A primeira à direita dá numa rua secundária, estreita e mal pavimentada, que margeia a via principal (esta não tão estreita, mas também mal pavimentada). A falta de marcação na pista e a confusa mão-inglesa ainda me assustam quando vem um carro na outra direção - "estamos na contra-mão, vamos bater!", eu sempre penso, mas não é nada disso, é que a mão é trocada mesmo e a rua apertada demais. À frente, "trabalhadores" todos os dias(!) fazem o reparo de um buraco que, muito provavelmente, eles mesmos cavaram, e pedem uma contribuição financeira pelos "serviços" prestados aos veículos transeuntes. Não sei quanto aos demais, mas este truque eu já tinha visto lá na Bahia nos idos anos noventa, não era agora que eu ia cair nele. Ao lado, no canteiro que separa as duas vias, tem, no chão, uma caixa de concreto cheia d'água. Um homem mal vestido se ajoelha, apóia-se com as duas mãos no chão e começa a lamber da água como um cão. A imagem é forte! Faz pensar...

Agora estou entre as árvores. A estrada corta uma densa mata que gosto de ver. Tudo é mais tranquilo, diferente das ruas movimentas e do trânsito caótico que via até há pouco. A mata, o verde, as flores me acalmam. Lembro-me da Rio-Petrópolis e das inúmeras vezes que passei por lá no caminho das férias, ou no retorno pra casa. Gosto da lembrança. Tudo isso me faz bem. Na esquina, por onde passa um rincão, um grupo de pessoas vende flores - como são belas! Tantas e de tantos tipos! Nunca imaginei que num lugar tão simples se encontrariam à venda flores tão belas. Minha vontade é levá-las pra casa e dá-las de presente, mas em casa ninguém que as receba me espera...

Ainda mais um pouco de congestionamento, porque por aqui o trânsito é assim mesmo, mas logo chego aonde passarei as próximas oito, nove, dez horas...

Peço, na praça de alimentação, uma pizza de um restaurante cujos proprietários são italianos. O lugar é agradável, arejado, moderno. Enquanto aguardo meu pedido observo as pessoas em meu redor - um homem fala ao telefone algo que parece ser alemão, ou talvez holandês, mas logo parte. À minha frente duas mulheres conversam em espanhol e logo um grupo de italianos se senta em uma mesa atrás de mim e começam a conversar também. Uma mulher loura se aproxima com uma criança mulata, ora falam em inglês, ora em alemão. A pizza chega e, como não poderia ser diferente, está deliciosa. Me deleito enquanto ouço aquela profusão de idiomas e saboreio uma boa comida. Como é bom viver e ver o mundo! Mas a pizza acabou e é hora de partir...

Estou no carro novamente, o trânsito invariavelmente congestionado, o carro pouco se move. "Security, security, security!" - grita, entre os carros, um homem negro como a noite enquanto segura um simpático filhotinho de um pretenso cão de guarda de uma raça qualquer. Me admiro de como fica tão quietinho enquanto o homem o detém ali, provavelmente por horas. Mais à frente outro homem traz à mão um coelhinho e noutra uma caixa cheia deles. Dois passos mais e um terceiro oferece belos gatinhos. Sigo ainda admirado - coelhos, gatos, cachorros - todos esses animais costumam ter filhotes tão ativos, como é que estes ficam tão quietinhos? "Famintos e desnutridos eles ficam quietinhos mesmo" é o que sempre me respondem. Estão gordinhos, não me parecem desnutridos, mas pode ser... O preço? Do preço não faço ideia, nunca me interessei em saber - o que é que vou fazer com um cachorro, um coelho e um gato? Criá-los na banheira do hotel? Se fossem peixes... No caminho ainda vejo uma série de ambulantes, vendem artesanatos bonitos, bugigangas, flores e o que mais puderem pra garantir algum trocado. Um deles vende um milho chamuscado pelo fogo, pálido e sem graça, quase da cor do sabugo, assado numa espécie de churrasqueira improvisada. Não parece nada apetitoso ainda que fosse de graça, mas os que compram parecem comê-lo com prazer!

"Muzungu! Muzungu! Give me ten shillings" - gritam as criancinhas que se aproximam da janela. Na terra dos caucasianos nunca fui branco, mas me dou conta de que aqui o gringo sou eu. Momento de epifania, nunca antes na minha vida, nem por um minuto sequer, eu tinha me imaginado no papel de "gringo". Por que minha pele é mais clara que a deles? E daí? Nasci num país onde todos os tons de peles convivem e se mesclam, não é pela cor da pele que aprendi me ver diferente de ninguém...

Estou quase chegando em casa, mas esses jacarandás! Estão por toda a cidade, e resolveram florir todos ao mesmo tempo. Forram as ruas e as poucas calçadas que existem com um magistral tapete de pétalas lilás e, vistos do alto então, fazem da cidade uma pintura impressionista como as de Monet! É bonito...

De volta à casa, sento-me no aconchego de um sofá que não me pertence e conecto-me ao mundo. O tempo passa e agora é tarde. Repouso sobre um leito que não é meu e penso sobre o dia, sobre a vida, sobre minhas vontades, meus sonhos, minhas frustrações, sobre o que tenho que fazer no dia seguinte... Acordo lentamente... É de manhã, está claro, mas o sol ainda não brilha porque as nuvens cobrem o céu da cidade...