A cada manhã que acordo, me levanto disposto a encarar mais um dia, resoluto
em sustentar a maior falácia em que o homem jamais pôde crer - o poder! E não
se iluda o leitor em crer que trato aqui daquele poder altivo que possuem as
pessoas como aquelas que ocupam os altos cargos públicos, ou que são os grandes
figurões da sociedade, ou que estão em qualquer posição de autoridade. NÃO!
Refiro-me à falácia que não é privilégio de qualquer ser humano - tanto pobres,
quanto ricos; tanto sábios, quanto incultos sucumbem à inevitável ilusão de que
realmente controlam alguma coisa. E suspeito que nem o façam por mal! Até
porque, simplesmente aceitar a dura realidade, pode ser um golpe duro demais
para a nossa espécie suportar.
Mas a verdade nua e crua é esta - o homem é um ser débil, insignificante! E,
muito embora se alimente da ilusão de que controla e subjulga todas as coisas,
- de fato, é admirável tudo o que o homem é capaz de fazer, construir,
produzir, aprender e transformar ao seu redor; são inegáveis a força, a
capacidade e a influência que o homem exerce - na verdade, ele é aquilo que ele
mais teme: impotente! Obviamente, não me refiro àquela impotência de ordem
sexual, muito embora seu exemplo se aplique aqui neste contexto tão
perfeitamente quanto qualquer outro. Quer seja o leitor crente, ou não (isso
pouco vai importar), as palavras do evangelista são tão válidas hoje, quanto a dois
mil anos atrás, apesar de agora existirem as tintas para cabelo: "Nem
jurarás pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou
preto." Talvez hoje o homem seja capaz de controlar a cor dos fios, mas
certamente ainda tem pouco controle sobre a permanência, ou não, desses fios em
seu couro cabeludo. E, chegado o dia em que ele domine completamente a técnica
de segurar os fios rebeldes, ainda assim, nunca haverá a garantia de que a
própria cabeça que eles adornam seguirá sustida sobre o pescoço de seu dono.
Vê, meu amigo, você pode até decidir a cor do seu cabelo, mas certamente não é
você quem decide quando dará seu primeiro alento nem seu último suspiro. Aos que queiram, talvez, arrumar-me um contra-exemplo, digo que, possivelmente,
nem aqueles ditos suicidas tenham, stritu sensu, esse poder - quantos já
tentaram por cabo à própria vida e falharam? E, de todo modo, ninguém decide sobre
seu primeiro choro.
Voltemos a cada manhã em que me alço, entusiasmado, ou não, porém sempre
disposto a sustentar o engodo. E por que é, ou como é que me engano tanto?
Darei um exemplo, trabalho diária e dedicadamente, e, no final do mês, pagam-me
meu salário. Então honro integral e pontualmente todos os meus compromissos
financeiros, e depois me esforço para poupar uma parte do meu ordenado a fim de
"ter uma reserva para uma emergência", ou então "garantir o meu
futuro" - não é assim que procedemos vários de nós, caro leitor? Provável
que você mesmo aja de forma igual e, se for este o caso, eu o congratulo e
insto-lhe a continuar - você está sendo prudente, precavido, muito sábio. Como
é reconfortante saber que, se alguma coisa acontecer você está coberto, não é
verdade? Ou como o tranquiliza a certeza de que seu futuro estará garantido,
não é mesmo? Mas e que garantias são essas que você tem? Seu dinheiro no banco?
Pois o banco pode quebrar, seu investimento pode dar prejuízo, ou simplesmente
seu dinheiro pode perder o valor de uma hora pra outra. Estou exagerando?
Pergunte a alguém que tenha vivido a crise dos anos 30 para saber se o que eu
digo é exagero.
Não se assuste, como já percebeu, eu e você fazemos mais ou menos as
mesmas coisas e buscamos mais ou menos a mesma tranquilidade e paz de espírito.
É bom deitar a cabeça no travesseiro à noite sabendo que está tudo bem, certo? Contudo, leitor, entenda que essa sua sensação de controle da situação
ou, em outras palavras, de poder, não é mais que uma ilusão. Evidente que não
estou fazendo aqui nenhuma apologia para que abandone todas suas praticas
salutares já que "tudo é uma ilusão". Não! Observadas as condições
normais de temperatura e pressão, vulgo CNTP, as medidas costumeiras que o
senhor toma para precaver ou remediar seus males funcionam perfeitamente. Por
favor, siga pondo-as em prática! O que eu quero só que o senhor entenda é que,
muito embora essas ações funcionem muito bem sob CNTP, o senhor não controla
nem a temperatura e nem a pressão!
Chega um dia (ou uma dezena deles) na vida de um homem - seja rico, ou podre; poderoso, ou modesto
- e, se não chegou ainda, é quase certo de que chegará,
em que ele simplesmente se vê impotente diante do que a vida lhe impõe. E a
impotência, meus caros, é o pior dos sentimentos... Se verá impotente, ainda
que culto e rico em práticas pedagógicas, diante de um filho que escolhe
enveredar-se por caminhos tortuosos sem que ele nada possa fazer... Se verá
impotente, ainda que abastado, quando a doença o acometer, roubando-lhe sua
disposição ou suas faculdades... Se verá impotente diante de um amor que parte
revel ao seu querer... Se verá impotente diante da morte, ainda que creia na
vida após essa, pois enquanto ainda estiverem separados, nada poderá fazer...
Percebe, senhor, seu poder não é nada! E sua segurança não é mais forte do
que o barbante que amarra um elefante! Quando caminha altivo, com a cerviz em
riste (se acaso o faz), o senhor apenas sustenta um conto de fadas tão
verdadeiro quanto aqueles que contam para as crianças dormirem. Ou se maltrata ou despreza seu semelhante (talvez não o julgue tão semelhante assim ao distinto senhor), saiba, contudo,
que ao simples querer dos elementos, as nuvens podem enegrecer o seu céu, as
vagas podem varrer o seu mar, o seu chão pode se abrir e tragá-lo num piscar de
olhos. "Pulvis es et in pulverem reverteris" - do pó ao pó - é o que está infalivelmente decretado, tudo mais é vaidade.