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Bem-vindos! Este blog surgiu do meu gosto pela palavra, em especial pela palavra escrita. Desde novo, comecei a tomar gosto pela coisa e a escrever um textinho aqui, um poeminha ali, uma redação acolá. Com o passar do tempo, dei-me conta de que esses escritos se encontram dispersos em pedaços de papel, partes de cardenos etc - pois, com frequencia, a gente guarda memórias da nossa infância e adolescência, mesmo não sendo nada de grande valor literário. Ao crescer, não sei se a qualidade dos textos melhorou em nada, mas a vontade de escrever não me abandonou, ainda que se manifeste esporadicamente, e comecei, então, a questionar meu método de produção e armazenagem - papéis soltos por todos os cantos já não me pareciam a melhor maneira. Surgia, assim, a ideia de fazer um blog. Da ideia até sua execução, passaram-se anos, mas finalmente aconteceu. Para entender um pouco mais sobre a escolha do nome, ou sobre o blog em si, leia o post inaugural, clicando aqui. Por fim, muito embora não haja aqui organização quanto a temas, tipos ou formas textuais, preferi separar os textos em versos numa outra página a que chamei de "Líricos". Caso tenha interesse em visualizar esses textos, basta clicar aqui ou no link que se encontra à direita se sua tela. Boa leitura!

quinta-feira, 24 de maio de 2012

...MCZ-AMS-GIG-MCZ-GIG-AMS...

O que é possível fazer em 36 anos? E em duas ou três horas?

Estava eu no aeroporto internacional em Maceió, retornando de minhas férias nas Alagoas, quando vejo uma senhora, falando uma mistura de espanhol quebrado com italiano, tendo dificuldades em se informar se aquele voo ia, de fato, para o Rio de Janeiro, uma vez que a tela indicava São Paulo como destino da aeronave (sabem como é hoje em dia, né? - um pinga-pinga danado de aeroporto em aeroporto). Detalhe: a senhora perguntara, primeiramente, à moça da Gol se ela falava inglês e, obviamente, sendo a Gol a empresa de ponta que é, a resposta da moça foi "não" - a Gol, aliás, anda uma maravilha! Sempre inovando! Foi a primeira empresa no país a substituir os lanches pelos saquinhos de amendoim! E agora, outra vez na vanguarda, vende pão com presunto a preço de lanche completo do McDonald's! De graça agora só água! Mas tem que pedir, porque eles não vão te oferecer! E o melhor de tudo, além de pagar caro, tem que dar o dinheiro certo, porque eles não têm troco! Quanta modernidade, né? Enfim, divago...

Após assistir à cena, estando já na rampa de embarque, resolvi abordar os estrangeiros - àquela altura eu já percebera que estavam em três - para explicar-lhes que o voo, de fato, tinha Guarulhos por destino final, mas que faria escala no Galeão, e assim tranquilizá-los. Depois jogamos meia dúzia de conversa fora - perguntei-lhes se viajavam a turismo, disseram que não; se a negócios, também não, e não entendi nada quando falaram alguma coisa a respeito da mãe de não sei quem, o que me deixou  um pouco curioso, mas - foi cada um para seu assento e larguei o assunto pra lá.

Depois de o piloto jogar o avião sobre o solo (porque se aquilo é aterrissagem, então Maguila é massagista!), após algumas horas de voo, chego ao Rio de Janeiro lá pelas quatro e meia da matina. O ônibus para a Rodoviária só começaria a circular a partir das 6h e, levando em conta que o lanche que a Gol não me serviu não estava nada delicioso, eu estava mesmo era morrendo de fome! Fui, então, ao terceiro andar do Galeão procurar o que comer. Fiz o meu pedido e, quando estava lá pagando meu lanche, eis que a mesma senhora do embarque me avista e, com faíscas de luz saltando-lhes aos olhos, vem em minha direção dizendo - "você! você fala inglês! você pode nos ajudar!". Tempo disponível para ajudar era o que não me faltava naquele momento, então consenti, pedindo-lhe apenas que aguardasse eu terminar de comprar meu lanche. Assim, depois do assalto, digo, de comprar meu café da manhã, me dirigi para onde eles estavam sentados, agora acompanhados de mais duas mulheres, e foi aí que a história começou a se revelar...

Os três holandeses - a tia adotiva, a sobrinha adotada e o marido desta - tinham ido para as Alagoas com um único objetivo em mente: encontrar a mãe biológica da sobrinha. Esta, ainda bebê, fora entregue a freiras católicas para adoção e um casal holandês a levou para os Países Baixos e lá a criou. Após o falecimento de seus pais adotivos, ela, agora com 36 anos de idade, casada e com três filhos, resolvera ir em busca de sua mãe biológica, de suas origens. O grupo chegou ao Brasil somente com a certidão de nascimento dela e um contato de um tio também holandês, mas que, por ser padre, estava há muitos anos em paragens tupiniquins e, por isso, falava português. Os quatro se encontraram na cidadezinha de nascimento dela (em AL) e começaram suas buscas. Depois de muita busca e muita sorte, processo que não detalharei aqui, finalmente conseguiram, já à vésperas de retornarem à Holanda, descobrir o número de telefone da mulher que, anos atrás, dera à luz aquela bela jovem com o Brasil estampado em seu DNA e que não falava uma única palavra em português.  Essa senhora agora residia no interior de São Paulo e, como o grupo saíra da Europa já com as passagens de volta compradas, combinaram o reencontro no Galeão, aproveitando a janela de tempo que tinham entre a aterrissagem do voo de Maceió e a partida do voo para Amsterdam. 
Assim, aquelas duas mulheres desconhecidas que agora se sentavam à mesa com os estrangeiros eram mãe biológica e meia-irmã que estavam ali para reencontrar o passado...

O resumo da história é mais ou menos assim: Com apenas 15 ou 16 anos, a jovem, pobre e analfabeta, saiu de sua cidadezinha no interior de Alagoas para trabalhar na casa de alguém de mais posses em outra cidadezinha do mesmo estado. Lá, o dono da casa se "engraçou" para o lado dela e, embora casado, não achou nisto óbice para engravidá-la. Porém, o fruto daquela conjunção carnal não era desejado por ele e nem por sua esposa, de modo que o casal logo providenciou para que a criança fosse dada em adoção assim que nascesse - "não deixaram nem eu te pegar..." disse a mãe, em prantos, para a filha, 36 anos depois...

O tempo passou e a vida conduziu essa pobre jovem alagoana para o estado de São Paulo. Lá se casou e teve outros filhos, porém não foi feliz em seu casamento - o marido bebia muito e causava transtornos para ela e para as crianças. Com o tempo, viu-se obrigada a pô-lo para fora de casa e a criar as crianças sozinha, sendo pai e mãe, sustendando-lhes com o dinheiro que obtinha através do trabalhando árduo nas lavouras de cana. Fez o melhor pôde por seus filhos, mas nunca aprendeu a ler ou escrever.Também nunca se esqueceu da filha que tivera em sua juventude e que, embora soubesse estar em algum lugar da Holanda, jamais imaginara tornar a vê-la em vida... Por isso, quando alguém ligou falando enrolado e com a voz embargada, pensou que era trote - era o tal do tio padre que, enquanto falava, chorava, ela, porém, do outro lado da linha, confundiu o choro com riso, crendo que ele caçoava dela.

Trinta e seis anos depois, estavam ali naquele aeroporto, entre lágrimas, mãe, irmãs, filhas, reunidas pela primeira vez em décadas e eu, humildemente, fui a língua que falou por duas ou três horas enquanto dois mundos muito diferentes e toda uma vida de distância novamente se tocavam...

O que é possível fazer em 36 anos? E em duas ou três horas? Em duas ou três horas, vi 36 anos voarem...

2 comentários:

  1. A moça adotada deve ter pensado "puxa, que sorte que eu tive!!!". Brincadeiras a parte, a história é maneira!

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  2. De fato, Mario, acho que ela pensou isso mesmo! Sorte,aliás, é pouco! Pense em todo contexto - sair da Holanda sem pista nenhuma, senão uma certidão de nascimento num idioma desconhecido; chegar no Brasil já com a data de volta marcada; conseguir dentro desse período localizar a mãe e, de quebra, arrumar um tradutor na hora exata do reencontro! Quais a probabilidades disso acontecer? Mais fácil ganhar na loto! Acho que quem acredita no Divino, ou simplesmente refuta a ideia da obra do acaso, diria se tratar de providência. E, claro, vivenciar a cena é coisa que não se explica muito bem por palavras e não tem preço...

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